09/11/2016

VALÉRIO HOMENAGEIA JANSEN



JANSEN LEIROS FERREIRA

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Macaíba perdeu recentemente um dos seus filhos mais destacados na arte de escrever. Nascido no dia 15 de março de 1937, era o primogênito de Aguinaldo Ferreira da Silva e Maria Leiros Ferreira, nascida Maria Leonor de Castro Leiros.
Estudou no tradicional Grupo Escolar Auta de Souza e em Natal, no Ginásio 7 de Setembro de Natal, concluindo o ginásio e o curso técnico de contabilidade. Simultaneamente, cursou o científico no Ateneu Norte Rio-grandense. Aos dezoito anos, já havia escrito uma plaqueta fruto de pesquisas em sua cidade, que intitulou “Macaíba e seus tipos populares”. Após a editoração dessa plaqueta, ingressou na Faculdade de Direito da UFRN, cursando o bacharelado em ciências jurídicas e sociais.
Foi nomeado para o Instituto do Açúcar e do Álcool, lotado na Delegacia Regional do Rio Grande do Norte e em 1962, obteve transferência para a sede do órgão na cidade do Rio de Janeiro. E lá, concluiu seu curso de bacharelado em ciências jurídicas na Faculdade Nacional de Direito, da Universidade do Brasil.
Ainda em Natal, estudou piano erudito com o maestro Waldemar de Almeida, no Instituto de Música do Rio Grande do Norte, ocasião em que participou de algumas audições públicas solando aquele instrumento e participando do Conjunto de Câmera Professor José Monteiro Galvão,
Após 1964, face às dificuldades financeiras foi instado a deixar o serviço público federal para exercer a advocacia dando assistência a empresas privadas.
Ainda nos anos sessenta, realizou sua primeira viagem ao exterior, visitando o Peru, o Chile e a Argentina. Depois, conheceu a Europa Central e os Estados Unidos.
Retornando à terra natal, foi nomeado para as funções de Assessor Especial da Fundação José Augusto, ao tempo em que eu exerci a presidência do órgão.
Em 1991, foi nomeado Assessor Jurídico do Estado e lotado na Procuradoria Geral, onde se aposentou aos setenta anos.
Jansen Leiros, como escritor, editou os seguintes livros: “Macaíba e seus tipos populares”, “Fragmentos e Reflexões”, “Contos do Entardecer”, “Apólogos do Nascer do Sol”, “Prelúdios de um Novo Dia”, “Relembranças”, “Macaíba de Cada Um”, “Sonata do Alvorecer de Aquários”, “Itinerário de um Sertanejo”, “Daphne – compromissos e resgates”, “Garimpando a Luz”, “Acordes da Alma”, “Aleluia do Homem Novo” e “Aquarela do Sol Nascente”.
No campo da música, ele criou entre uma vintena de composições: “Sonho de um Cello”, “Crepúsculo no Solar da Madalena”, “Alma Nordestina” e “Balada para Daphne”, todos por ele harmonizadas para orquestra de cordas.
Jansen, também, estudou canto lírico, havendo sido aluno de Atenilde Cunha e Nino Crimme e participou de conjuntos corais como o Harmus, do Instituto de Música Waldemar de Almeida, da Fundação José AuguSto, de cuja criação foi um dos responsáveis quando compunha o Conselho de Administração daquela casa de cultura. Barítono, como seu avô materno – maestro João Viterbino de Leiros, era um seresteiro nato e um orador de belas metáforas. Carismático, de simpatia contagiante, era querido pelos que faziam seu entorno. Como advogado, exerceu as funções de Juiz Eleitoral, do Tribunal Eleitoral do Rio Grande do Norte, nomeado pelo Ministério da Justiça e Juiz de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Estado do Rio Grande do Norte.
Colhi os dados referidos na seara do seu primo/irmão Wellington de Campos Leiros, escritor memorialista e poeta. A minha amizade com Jansen é herança de nossas famílias Leiros/Mesquita/Andrade, desde os primórdios do século passado.
Os meus sentimentos não cabem nessas breves palavras. Ele foi bem maior do que afirmei. O seu canto alto e sonoro ultrapassou os limites de sua dimensão humana. Espiritualista, levou a mensagem das ideias aos quadrantes do Rio Grande do Norte. Entendeu que a cultura é um veículo nascido para ficar, vencer, porque representa a única atividade humana que haverá de permanecer quando tudo o mais passar. Já doente, ainda em vida, escrevia sem cessar, porque foi uma “ponte entre o espírito e o horizonte”. Diante de tudo e de todos, proclamo que Jansen Leiros Ferreira foi um ser simples, disponível, abordável, pacificador, democrático nas intransigências e nas concessões. Deus haverá de premia-lo com a luz da sua face.

(*) Escritor.

08/11/2016

Trinta anos: um sonho de colégio
Lívio Oliveira – advogado público e poeta

Outubro está nos arredores e já se passaram trinta anos. Os meus olhos são, agora, neste devaneio, os mesmos daquele menino que, sonhador, observava lá adiante o Colégio Nossa Senhora das Neves (Colégio das Neves), a partir do referencial e ângulo de visão da esquina da rua Segundo Wanderley com a Coronel João Gomes. Nem sempre estudei ali, mas era o meu desejo intenso e o realizei, como realizei quase tudo que quis de verdade. Foi um sonho confirmado. Passou no tempo, ficou na memória e no sentimento.
De verdade. O sonho era de verdade. Suspirava com isso. Suspirava, também, quando via as meninas com a calça azul apertada, delineando suas delicadas ancas arredondadas, elas vestindo a camisa branquinha da farda, com volumes e formatos plenos de volúpia  ingênua explodindo no peito, que continha a logomarca (ou brasão) da escola. Elas flanavam pela minha calçada, que se perfumava de repente. Viravam festa os meus dias. E havia olhares. Às vezes, correspondidos. A vida ficava toda colorida, baixava um arco-íris imaginário.
Quando ingressei no Colégio, pude sentir de perto os cheiros sedutores, via a dança dos cabelos compridos e – brilhando ao sol, com todas as cores – umedecidos, quando chovia e os céus não perdoavam os corpos femininos, suaves e firmes, durinhos. As meninas chegavam à sala de aula exalando um frescor que me atordoava.
Aquele lugar, aquele colégio, foi o lugar dos meus conflitos mais radicalmente adolescentes e das minhas paixões iniciáticas e cheias de pudores e recatos – depois tidos como desnecessários e inúteis – essenciais, porém, para uma época de sonho e de pureza e magia desassombrada e livre.
A minha amiga e colega Cássia, numa dessas conversas de WhatsApp, fez-me recordar há alguns dias: “Lívio, lembrando da nossa inocência: festas de São João, com a escolha da rainha do milho, gincanas. Os jogos internos, os JERN’s. Também a Feira de ciências, os corredores, conversas, lanches, as músicas que embalavam a todos (o rock brasileiro que nos movia – ouvíamos Blitz, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Cazuza, Legião Urbana etc. Havia quem gostasse até do Menudo (risos), não era o meu caso. E forrós. O pessoal gostava de dançar. Cantávamos o hino nacional às quintas-feiras, rezávamos o Pai Nosso toda manhã, participávamos da Novena de maio. Tivemos a TV interna do Neves, estrelamos. Ensaiamos nossa participação democrática com as concorridas campanhas do Centro Cívico. E recebíamos as cadernetas com as notas (sempre havia alguma tensão no ar). E o SOESP (que tanto nos assustava)? O reencontro e a recordação são essenciais. São trinta anos.”

Foram, de fato, momentos mágicos. Lembro de muita coisa e fico comovido que só. Fico saudoso, nostálgico, um pouco melancólico por saber que já se passou tanto tempo. Pois é. Já se passaram trinta anos, colegas, amigos, desde que nos despedimos do Colégio das Neves e passamos a viver outros sonhos. Nenhum como aquele. Nenhum.
   
Ivan Lira de Carvalho
7 de novembro às 17:49
 
ESCOLAS REFERENCIAIS

Falar da reforma do ensino médio e da Medida Provisória 746/2016, desafia lembranças de instituições que funcionam em algumas capitais nordestinas e que tiveram inegável importância na consolidação do modelo educacional traçado durante Estado Novo, mas que avançou para a era pós-redemocratização (1945), chegando à vigência de um novo regime político “forte” (o de 1964) e daí até os dias atuais, atravessando remodelações ditadas pelas políticas educacionais mutantes e nem sempre eficazes. 

A denominação, a proposta pedagógica e conteudística e até mesmo a arquitetura dos prédios diziam (e dizem) do papel desses colégios no contexto de multiplicação do saber. 

Em Natal, o Atheneu, criado em 1834, teve vários nomes na sua trajetória (Atheneu, Ginásio Potiguar, Instituto de Educação, Atheneu Norte-Rio-Grandense e Colégio Estadual do Atheneu Norte-Riograndense). Quando da inauguração da sede atual - 1954 - o nome do educandário era Instituto de Educação, atendendo à padronização de então. O mesmo acontecia em João Pessoa com o Lyceu Paraibano, criado em 1836 e que além de Instituto sustentou outras denominações (Colégio Estadual da Paraiba e Colégio Estadual de João Pessoa). 

Atendendo à filosofia traçada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação então em vigor, e por influxo de Anísio Teixeira, os Institutos de Educação irradiavam o ensino de excelência a partir das Capitais. 

Com objetivos educacionais e programas mínimos idênticos, as propostas arquitetônicas geralmente tinham similitude, embora com construções separadas por vários anos. O do RN, projeto de José Quirino de Alencar Simões, tem forma de "x", proporcionando a confluência dos alunos para a interseção. Reflete o país redemocratizado, na segunda fase do getulismo. O da PB, concebido por Clodoaldo Gouveia no estilo "art déco", é de 1938, pleno Estado Novo, tem área de retângulo, meio compridão, por si mesmo pouco estimulante a encontros e manifestações. 

Atheneu e Lyceu escaparam da sanha de remodelações físicas que de vez em quando acomete os gestores públicos, ficando os seus prédios atuais como marcos da arquitetura educacional das épocas respectivas. 
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[Crônica minha, publicada no jornal CORREIO DA PARAÍBA, 06.11.16].
ESCOLAS REFERENCIAIS

Fa

07/11/2016

Ducal Palace Hotel



   
Marcelo Alves

 

Um roteiro

O estudo da teoria dos precedentes (ou da doutrina do “stare decisis”) é uma moda hoje no Brasil. E, quando em conjunto com o novo Código de Processo Civil, talvez seja ele o assunto essencialmente jurídico – coisas como a “Lava Jato” estão em outro patamar – mais badalado entre nós. 

Levando em consideração esse interesse atual, vou sugerir para vocês, repetindo o que já fiz em sala de aula, um detalhado roteiro de estudo sobre o tema dos precedentes judiciais.  

A meu ver, qualquer estudo da teoria dos precedentes deve começar analisando, mesmo que superficialmente, a visão das várias correntes jusfilosóficas – falo aqui da escola do direito natural, do positivismo jurídico, da escola histórica, da escola sociológica americana, do realismo jurídico americano etc. – quanto ao papel do precedente judicial na formulação do direito. 

Em seguida, como se trata do campo onde o tema precedente judicial foi mais desenvolvido, deve-se estudar, ao menos superficialmente, o “common law” inglês, sua formação histórica e o seu estado atual. Nesse mesmo contexto, deve-se conhecer um pouco do sistema judicial da Inglaterra, com a análise da sua organização judiciária e do funcionamento da teoria do precedente dentro dessa organização, devendo o mesmo ser feito com o sistema judicial norte-americano. Sem o estudo desses dois sistemas, é impossível entender completamente o funcionamento da regra do “stare decisis”. Se possível, deve-se também conhecer como funcionam os repertórios de precedentes judiciais ingleses e americanos, os chamados “law reports”, já que, sem eles, reconhecidamente, seria impossível o funcionamento dos sistemas fundados na doutrina do “stare decisis”. 

Superada essa primeira fase de estudo de direito comparado, o precedente judicial propriamente dito deve ser o foco seguinte do nosso roteiro. Refiro-me aqui à sua definição e às teorias que buscam explicar sua natureza jurídica, com a devida análise crítica, assim como à chamada classificação dos precedentes judiciais (declarativos ou constitutivos, persuasivos ou obrigatórios), levando em consideração todos os critérios adotados. 

A aplicação propriamente dita do precedente judicial deve ser analisada com a profundidade que merece. O conhecimento de institutos como o da “ratio decidendi” e os métodos ou teorias para sua determinação, do “obiter dictum”, o “distinguishing”, as decisões “per incuriam”, o “overruling”, entre outros, deve ser, talvez, o ponto mais importante do estudo. 

Uma questão de imensa relevância – e que, hoje, tem preocupado bastante tanto os juristas do “common law” como os brasileiros – diz respeito à eficácia temporal da decisão que anuncia um novo precedente, revogando (ou ao menos modificando) a regra de um precedente anterior de orientação diversa. Os efeitos desse novo precedente, se seriam retroativos ou prospectivos e em que termos, por exemplo, devem ser analisados tão exaustivamente quanto possível. 

A história e a realidade atual da aplicação obrigatória de precedentes judiciais no Brasil, fazendo sempre um paralelo com outros países, devem ser pormenorizadamente estudadas. Devem ser relembrados institutos como os antigos assentos portugueses, o prejulgado trabalhista, a sentença normativa na Justiça do Trabalho, o prejulgado na Justiça Eleitoral, os antigos incidentes de uniformização de jurisprudência, a declaração de inconstitucionalidade “incidenter tantum” em tribunais etc. Devem ser bem analisados o efeito vinculante das decisões proferidas no controle jurisdicional concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos, assim como o instituto da súmula, especialmente, a chamada Súmula Vinculante, adotada em nosso país por intermédio de reforma constitucional e regulamentada pela Lei 11.417/2006. 

Deve-se, sobretudo, estudar o papel dos precedentes judicais no novo Código de Processo Civil. E, pelo que pesquisei, o NCPC refere-se aos precedentes judiciais (em sentido estrito ou em sentido amplo) em diversas passagens, possuindo ainda vários outros dispositivos que, embora sem referência expressa, estão, uns mais outros menos, relacionados à temática. Seguindo a ordem do Código, pode-se relacionar, por exemplo, os seguintes dispositivos: (i) art. 489, § 1º, V e VI; art. 926, caput e parágrafos; (ii) art. 927, caput, incisos e parágrafos; (iii) art. 928, incisos e parágrafo único; (iv) art. 932, IV e V; (v) art. 947 (que trata do incidente de assunção de competência); (vi) arts. 976 a 987 (que tratam do badalado incidente de resolução de demandas repetitivas); (vii) arts. 988 a 993 (que tratam da reclamação); (viii) arts. 1.039 a 1041 (que tratam do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos); e por aí vai. 

Por fim, como conclusão, deve-se refletir criticamente, com amparo na doutrina anglo-americana, sobre a teoria do precedente judicial obrigatório. As desvantagens e as vantagens apontadas na teoria do “stare decisis” devem ser pormenorizadamente discutidas. De um lado, a rigidez, a complexidade, as distinções ilógicas, a morosidade no aperfeiçoamento, a ofensa ao princípio da persuasão racional do juiz e a ofensa ao princípio da separação de poderes; do outro, a estabilidade, a previsibilidade ou certeza do direito, a precisão, a celeridade, o aprimoramento do trabalho decisório do juiz e a igualdade – fundamento derradeiro de justiça. Tudo isso deve ser discutido e sopesado, afastando-se a ignorância, o preconceito e as teorias sectárias, lembrando-se que a interseção dos sistemas jurídicos, das famílias jurídicas (“common law” e “civil law”), é uma realidade da qual é impossível fugir. E talvez com isso, sempre consciente de que a doutrina do “stare decisis” não é uniforme em toda parte, possuindo peculiaridades em cada um dos países em que é adotada, possa-se contribuir, mesmo que modestamente, com a importante tarefa de estabelecer o papel do precedente judicial no sistema jurídico brasileiro. 

Bom, essa é a minha sugestão.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

06/11/2016

ACADEMIA NORTE-RIO-GRANDENSE DE LETRAS